domingo, 2 de outubro de 2011

“Volver”

Retorno. Pedro Almodóvar, cineasta espanhol, escreveu e dirigiu um filme magnífico, que retrata as voltas e giros da vida, nossas experiências e lembranças, nossos fantasmas e demônios.

“Volver” estreou na Europa em 2006 e foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro. Seu refinado roteiro expõe um tema marcante sobre a condição humana: a vida é linear ou feita de ciclos? Há quem acredite que a existência é como uma linha no tempo, sem retornos. Sim, de fato a vida não tem “bis”, o que lhe confere um tom dramático. Porém, o passado não é o que fica para trás. O passado é o que está em nós, o que nos acompanha encalacrado em nosso inconsciente, quieto, mas ativo em sua simultaneidade temporal.

Uma marca onipresente do filme é o vento, com seus rodamoinhos, suas curvas, sua força e aparente invisibilidade. Ciclos. Calmaria e retorno. O vento leva, mas volta com assuntos mal-resolvidos, como coisas que deixamos de fazer e que queríamos tanto ter realizado. Longe de se tratar de simples nostalgia, “Volver” trata dos eventos que ocorrem nas camadas mais profundas da mente humana. Fantasmas, mas vivos do que supúnhamos.

Se os feitos não realizados são fantasmas que, vez por outra, surgem, há outros tantos tipos de retornos. A saudade é um deles. Às vezes tão doída que é melhor não olhar para a foto, não ter uma peça de roupa e não ir aos lugares outrora freqüentados pelo objeto de saudade (esses lugares costumam ficar encantados). A saudade nos revela a pequenez da existência humana, ao mesmo tempo em que nos lembra nossa grandeza... Ciclos... Intermináveis ciclos. Poderíamos ser criaturas de um tipo que não percebesse a ausência daquilo que mais prezamos. Mas, não! Foi-nos dado o sabor quer doce, quer amargo de lembrar que perdemos algo; ora para sempre, ora por dias, ou por alguns instantes.

Arrependimento. A protagonista do filme, Raimunda, interpretada por Penélope Cruz, se ressente em seu silêncio mordaz por não ter dito à mãe o que gostaria de dizer. Há tempo ainda? Podemos contar com a chance de dizer o não dito? Somos criaturas de arrependimentos. Mesmo aquele que adora dizer que não se arrepende de nada na vida, talvez esteja querendo mesmo é dizer que se arrepende por ter se arrependido tanto.

Segredos. Raimunda tem um segredo intocável e muito bem guardado (haverá coisa que guardamos com tanto zelo do que um segredo?). A física está errada: segredos têm peso. Raimunda nos revela isso muito bem. E como tudo o que carregamos sozinhos é acompanhado da ânsia de os jogarmos fora, um dos momentos mais comoventes do filme de Almodóvar é o ajuste de contas de Raimunda com a filha: a protagonista não tem culpa, então por que carregou por tanto tempo pedras nas costas? Vergonha. É necessário jogar as pedras fora, dividir o peso, mas a vergonha é um freio poderoso.

A vergonha de Raimunda me fez lembrar o famoso Mito de Giges de Platão: um sujeito encontra um anel mágico que lhe dá o poder de ficar invisível. Pois bem. Giges faz tudo o que é proibido, exatamente porque a invisibilidade tirou-lhe o que há de mais humano no homem: a capacidade de sentir vergonha diante do olhar alheio.

Há um ponto em comum entre os filmes de Almodóvar e a filosofia de Thomas Hobbes: reconhecer que as pessoas reais e concretas, de carne e osso, não podem ser divididas como se fossem de dois times opostos: o bem e o mal (o chamado “moralismo maniqueísta”).

O interessante de “Volver” é que Raimunda vai e vem (bem como o mundo dela também se move nesse percurso de retornos), porque, sob o olhar de Almodóvar, ela é humana e não divina. Ciclos, apenas ciclos.

2 comentários:

REGINA disse...

Amor, além do texto ser mesmo: MAGNÍFICO, o filme é tbm assim visto por mim...parabéns vc é surpreendente nas suas escolhas, palavras, enfim em ser simplesmente VOCÊ.
"Volver" = "Voltar".
Se eu pudesse voltar no tempo, certamente teria curtido bem mais minha mamãe;
talvez teria feito ADM à Educação Física
e gostaria de ter te conhecido antes, antes até de vc iniciar o mestrado!!!
Saudade: de tudo aquilo que me faz bem!!!
beijos,
te amo.

Unknown disse...

Adoro seus comentários. Vimos juntos o filme e percebi a sua emoção, já que parte do enredo é sobre o retorno da mãe da protagonista. Amo vc também. Bjs, PH.