domingo, 14 de agosto de 2011

Com vocês, Vossa Excelência: o demagogo.

No início da Segunda Guerra Mundial, um homem lamentou que um conflito dessa magnitude tivesse que ocorrer. Lembrou das inúmeras e fracassadas negociações pela paz. Disse com propriedade, em um famoso discurso: “Tão numerosas as ofertas de paz, propostas de desarmamento, propostas com vista a alcançar uma nova ordem econômica nacional, etc. Todas essas propostas foram rejeitadas por aqueles a quem eu as tinha feito [...].” Disse ainda que a guerra era inevitável, já que algumas pessoas alimentavam um “ódio cego, na sua loucura obstinada”... “loucos delirantes”. Pois bem. O pacifista que proferiu tão belas palavras era Adolf Hitler, em um discurso em 3 de outubro de 1941, em Berlin[1]. O nome do discurso foi “A Campanha de Socorro de Inverno”, para salvar os famintos.
Não há nada mais intrigante do que a demagogia, a arte de simular virtudes. O demagogo usa o discurso persuasivo, sedutor, sempre em nome de valores nobres, tais como o combate à pobreza, à injustiça, à desigualdade etc. Claro que um discurso marcado pela defesa das virtudes por si só não é suficiente para fazer de alguém um demagogo. Há algo mais: a oposição entre o que ele diz e o que de fato faz.
Em nome da justiça, a injustiça é cometida; da boca mais amarga, ambiciosa e suja, saem as mais belas palavras (“ética” é uma das mais usadas); dos dentes mais podres sai um odor fétido que, porém, é captado como hálito perfumado, pelo nariz da turba hipnotizada. O demagogo defende os seus próprios interesses e percorre uma ambição desmedida, muito embora o seu discurso oculte a cobiça e revele uma preocupação ilusionista sobre valores nobres. A multidão quer ouvir que há um mal a ser combatido e o herói chegou.
A praga da demagogia é tão penetrante e eficaz, que até mesmo criticar a demagogia corre o risco de ser demagógico. Assim, a única forma que dispomos para identificar o demagogo é confrontar o seu discurso com as suas ações (tarefa árdua, eu sei).
O ano eleitoral de 2012 já começou. Do mesmo modo que as formigas freneticamente aparecem com maior intensidade antes do inverno chegar, os velhos abutres da demagogia aparecem mais na temporada eleitoral (e já estamos na estação propicia). Aqui e acolá, já podemos ver: um vereador (a) diz que a culpa é do prefeito (a), e o prefeito (a) diz que a culpa é do vereador; o deputado (a) afirma que o governador (a) despreza o povo, e o governador (a) diz que o deputado não vota à favor da população carente e desdentada. Vossa Excelência daqui, Vossa Excelência de lá, em um movimento esquizofrênico em que “verdade”, “fato” e “lógica” são desprezados como se fossem lendas.
É também a estação em que aparecem os demagogos aspirantes a “Vossa Excelência”. Esses novos ordinários já apresentam um forte traquejo para a coisa. Sabem que demagogo que se preze tem que ter rede social (antigamente eles subiam o morro, pagavam a cerveja, o churrasco e as camisas de futebol). Hoje em dia sem rede social não dá. Os tempos são outros. Na rede social o demagogo defende, por exemplo, os direitos das velhinhas do Asilo Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Agradece ao vigário pela homenagem do final de semana, feita no domingo, por serviços prestados (um deles por ter trocado as tampinhas de borracha das muletas – aquelas que impedem o atrito da muleta com o chão, sabe?).
Outro ponto importante sobre os demagogos aspirantes é a incrível tática de se fazer de vítima (essa é a marca de um bom profissional do ramo). O bacana alega que é perseguido, que não tem espaço, que sofre demais na tentativa de ajudar as pessoas, que não é compreendido; reclama que sempre tenta fazer o bem, mas é impedido pelas forças malignas do Darth Vader.
Por fim, demagogia é algo tão medonho que tem até a categoria Sênior. Ora, tem aquele sujeito que disse de pés juntos que ganhou várias vezes na loteria, porque Deus o ajudou (quem é o povo para questionar o poder divino de suplantar as leis da probabilidade, não é mesmo?). Ademais, o excelentíssimo deputado tinha os bilhetes premiados como prova. Assunto encerrado (mesmo porque ele alegou perseguição). Teve também aquele outro que jurou pela mãe que não tinha transferido dinheiro para os bancos nas Bahamas, e disse que se alguém encontrasse dinheiro em uma conta no exterior com o nome do excelentíssimo, o cara poderia ficar com a quantia... genial, certo?
Paulo Henrique Castro.

[1] Discursos que mudaram o mundo. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2010. Vol. 20.

8 comentários:

¤ Sarah Sciotta ¤ disse...

Em nome da justiça, a injustiça é cometida..disse tudo com essa frase.
A demagogia é incrível,mas é uma pena que é usada através de uma falsa preocupação com o bem comum,somente para atingir um interesse próprio muita das vezes.
Parabéns pelo texto PH !

Gustavo Alves disse...

O demagogo usurpa com palavras, envolto em seu veneno, mata e deixa morrer e incrível que possa parecer muitas vezes sai ileso, propiciando aos seus eleitos o sabor do sangue dos inocentes que os mantém. Por isso não investem em Educação, que lhes reduziria a nada.

REGINA disse...

Oi meu amor,
parabéns pelo texto
sensacional e "verdadeiramente verdadeiro"

Demagogia...não queria ter que ver e "viver"

Unknown disse...

Obrigado Sarah! Que bom ter você como leitora! Ótimo comentário. Bj, PH.

Unknown disse...

Oi Gustavo! Obrigado pelo comentário. É mesmo! O demagogo é venenoso, como você disse. Um grande abraço e muito legal te ver por aqui. PH.

Unknown disse...

Oi Rê!!!!!! Obrigado, meu amor!!! E gostei do "verdadeiramente verdadeiro" (me lembra as brincadeiras do Thiago). Bjs, obrigado pelo comentário. PH

Rafa Alckemin disse...

Muito bom o texto! Saudades das aulas de Filosofia... Russell, Chauí, Aristóteles e Chomsky com suas incolores ideias verdes.
Parabéns PH, como sempre genial!

Unknown disse...

Rafaela!!! Muito obrigado pelo seu comentário e pela adorável visita ao blog. "Incolores idéias verdes" rsrsr: muito legal a lembrança! Um grande abraço, PH.