domingo, 28 de agosto de 2011

Por que estudar Filosofia?

 

Defendo a tese de que tanto no ensino médio, quanto em qualquer curso de graduação, deveríamos estudar Filosofia. Permitam-me explicar as razões.

Em primeiro lugar, tomo a liberdade de usar um argumento por analogia, apresentado pelo filósofo português João Branquinho[1]: ninguém precisa estudar gramática para se comunicar, mas quem estuda gramática se comunica melhor. Uma vez que alguém aplica com eficiência as classes gramaticais, aumenta as chances de uma comunicação mais efetiva e menos confusa. Logo, seria bom se todos estudassem gramática. Do mesmo modo, ninguém precisa estudar filosofia para pensar. Tal qual um analfabeto se comunica sem nunca ter estudado gramática, uma pessoa raciocina sobre diversos assuntos sem nunca ter estudado filosofia. Entretanto, se essa pessoa estudasse filosofia, tal como no caso da gramática e suas contribuições, pensaria melhor do que pensa (visto que algumas habilidades intelectuais são desenvolvidas com maior eficiência quando aprendemos filosofia).

Segundo os filósofos Ann Baker e Laurence BonJour (professores da Universidade de Washington), “O método do pensamento filosófico requer um conjunto de habilidade e alguns hábitos intelectuais distintivos, que chamaremos de hábitos filosóficos da mente.”[2]

Os autores mencionam duas habilidades decorrentes de hábitos filosóficos: [a] clarificar alegações e [b] justificar alegações. Uma alegação é uma sentença declarativa que pretende expressar algo como verdadeiro ou como falso. Por exemplo: “Deus existe”, “o fogo queima”, “a Lua é feita de queijo”, “a alma é imortal” “a água ferve com a temperatura abaixo de zero”, “o Everest é a maior montanha do planeta” etc. “Quando um filósofo clarifica uma alegação, ele explica ou expressa em detalhes o significado da alegação.” [3]

Certamente que algumas alegações não precisam ser clarificadas (como por exemplo: “a vaca produz leite”), mas esse não é o caso da maior parte dos temas abordados pelos filósofos e de diversos outros assuntos controvertidos (aborto, pena de morte, eutanásia, se a realidade é exatamente igual ao que pensamos ver ou não, Deus, justiça, liberdade, homossexualismo, se temos conhecimento do mundo exterior ou não, política, imortalidade da alma etc.). “Ser controvertido” significa “ter, pelo menos, dois lados”. Porém, ao analisar ou debater sobre tais assuntos, os que não têm hábitos filosóficos apresentam o curioso costume de ver um lado só: o seu. Além disso, tende a deturpar as próprias alegações (como as dos outros) e inserir mal-entendido e confusões, o que torna o diálogo e a compreensão algo extremamente obscuro. Daí a importância de desenvolvermos a habilidade filosófica de clarificar alegações.

Quando os filósofos oferecem justificação para uma alegação, eles dão razões para crer na alegação – e que melhor razão há para crer numa alegação do que uma razão para pensar que ela é verdadeira?[4] Esta é outra habilidade filosófica. Geralmente as pessoas alegam muitas coisas, mas pouca ou nenhuma fundamentação é apresentada para sustentar aquilo que foi dito. Aprendemos na escola que o difícil não é oferecer uma resposta para uma questão de prova; difícil mesmo era quando o professor colocava no enunciado da questão: “justifique a sua resposta”. Falamos, falamos, falamos e não estamos habituados em apresentar as devidas justificativas. Claro! Alegar é fácil, fundamentar é a parte difícil. Como a filosofia exige o hábito de fundamentar muito bem o que foi alegado, ela promove um raciocínio robusto, convincente e provocante.

Ora, vivemos em uma sociedade em que até para pensar estamos apressados. Com isso, muitas vezes, pensamos de modo confuso e sem fundamento. Portanto, aprender filosofia é algo extremamente útil.

A exigência de que a filosofia deva ser prática, como a fisiologia é prática para os cursos de graduação da área de saúde, surge da forte influência da sociedade mercadológica: “se tempo é dinheiro, então preciso estudar algo que amanhã me permita colocar aquele parafuso naquela máquina”. A filosofia nunca é aplicada, tal como a patologia pode ser direcionada de modos diferentes para um estudante de medicina e para um estudante de odontologia. Porém, justamente por não ser específica e imediatamente prática (como as ciências), a filosofia pode ser ensinada e aprendida em qualquer área, tal qual a gramática, contribuindo para o desenvolvimento de habilidades intelectuais e hábitos filosóficos imprescindíveis para a compreensão do mundo.

Paulo Henrique Castro.


[1] É necessário esclarecer que J. Branquinho se referia apenas à lógica. Ora, uma vez que a lógica é o instrumento da filosofia, compreendo que o argumento do filósofo português se aplica para toda atitude filosófica.

[2] Baker, A; BonJour, L. Filosofia. Textos fundamentais comentados. Porto Alegre: Artmed, 2010, 2ª. Edição, p.23.

[3] Idem, p. 24.

[4] Idem, p.25.

5 comentários:

REGINA disse...

Amor meu...arrasou no texto: "Por que estudar Filosofia?"...vc é excepcional...te amo, que venham mais e mais textos com conteúdos tão válidos.Beijos.Rezinha

Unknown disse...

Re... obrigado pelo apoio, por estar ao meu lado, pela companhia real e virtual! Bjs de amor! PH.

¤ Sarah Sciotta ¤ disse...

É por isso que sempre curti ir nas suas aulas,você nos desafiava a pensar sobre tal assunto e comentar,dar opiniões,era muito instigante poder aprender cada vez mais com seus ensinaamentos e para muitos isso pode ser a coisa mais chata do mundo,pq realmente é dificil você argumentar sobre algo,mesmo que seja do conhecimento,mas é preciso estar aberto para aprender novas coisas.

Unknown disse...

Obrigado, Sarah! Vc me deixa orgulhoso!!! Vindo de vc, uma aluna aplicada e inteligente, seus elogios e comentários são muuuuuito importantes. Grande beijo!! PH.

Anônimo disse...

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