sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Violência: homem-primata.

Fevereiro de 1994. Kampala, capital da República da Uganda, país do centro-leste da África. Enquanto tinham os seus vistos carimbados, dois homens ouviram uma sinistra advertência do funcionário da embaixada ugandense: “vocês serão assassinados!”

Os homens que foram advertidos eram os famosos pesquisadores de primatas, Dale Peterson e Richard Wrangham, este professor de Harvard, aquele escritor e psicólogo.

O aviso do funcionário da embaixada fazia referência ao clima de instabilidade civil na africana região dos lagos. O ápice dos conflitos étnicos, naquele ano, foi o horripilante massacre de tutsis, em Ruanda, que se estendeu pelos países vizinhos como o Burundi e a República Democrática do Congo (antigo Zaire), deixando um saldo de três milhões de mortos.

Peterson e Wrangham narram parte do triste episódio africano[1]: cerca de 10.000 mil corpos flutuavam sob o rio Kagera, na Uganda. Alguns sem cabeça, outros sem braços ou pernas, muitos mutilados por facões e machados; outros carbonizados, pois foram queimados quando ainda vivos e depois jogados no rio. Crianças, mulheres, homens e idosos, todos da etnia tutsi. Os corpos arrastados pela correnteza vieram do país vizinho: Ruanda. De acordo com um relato de um fazendeiro que ajudou a recolher os corpos, como nos conta Peterson e Wrangham, uma das cenas mais medonhas foi ter retirado o corpo de uma mulher. Ela não tinha nenhum ferimento, nem de bala, nem de machado. Provavelmente morreu afogada, fugindo dos assassinos e o afogamento pode ter ocorrido por um motivo: a mulher tinha os cinco filhos agarrados ao seu corpo: um em cada braço, um em cada perna e um agarrado nas costas. Lamentável cena de horror.

Quando nos depararmos com cenas de horror, provocadas pelo próprio homem, é muito comum ouvir: “o ser humano é perverso... nenhum outro animal é capaz disso”; ou “o homem age feito bicho”. Implícito nestes ditos está a crença de que o ser humano é apartado das bestas e que a violência é algo ensinado pelo meio cultural, não tendo nada haver com a própria condição de sermos animais. O psicólogo Steven Pinker denominou tal crença sobre a violência humana de “dogma central” das ciências humanas, extremamente popularizada entre não cientistas, e que é entendida pelos dogmáticos do seguinte modo: “A violência é um comportamento ensinado pela cultura, ou uma doença infecciosa endêmica em certos ambientes.” [p; 418]

Pois bem. Daí começa a ladainha: “Escuta, é só o homem que comete esse tipo de barbárie sim! Um bicho só ataca o outro por comida, território ou para acasalar, nunca gratuitamente e nunca um membro da sua própria espécie.”

Em primeiro lugar, quem afirma que o homem não agride por comida, território ou por parceiros sexuais, perdoe-me, mas precisa urgentemente ler jornais e livros de história (quase ia esquecendo a internet); em segundo lugar, a tese de que animais não agem violentamente de modo gratuito, idílica, aliás, começou a ser derrubada desde 1960, com os estudos na área de Primatologia.

A partir de agora, passo a explicar em várias postagens os achados de Dale Peterson e Richard Wrangham exatamente para fazer circular informações que contrariam fortemente o Dogma Central, essa incrível idéia de que o meio determina exclusivamente o comportamento humano (defendida por grandes filósofos, como J-J. Rousseau e J. Locke).

Os primatologistas que nos ocuparemos, Peterson e Wrangham, batizaram a teoria por eles formulada com um nome curioso: “Machos Demoníacos”, por interessantes razões que veremos na sequência.

[Continua]

Paulo Henrique Castro


[1]Peterson, D; Wrangham, R. Demonic Males: apes and the origins of human violence. New York: Houghton Mifflin Company, 1996.

2 comentários:

REGINA disse...

* Já ansiosa para os próximos textos...bjins!*

Unknown disse...

Obrigado, Rezinha! Bj. PH.