Solidão:
a experiência devastadora em falar com as paredes.
“Minha surdez obriga-me ao exílio”
Ludwing van Beethoven (1770-1827)
Em
1871, para argumentar que o homem é um animal social, Darwin afirmou que um dos
piores castigos para o ser humano é a cela solitária. Ainda hoje, a solitária é
um dos piores castigos que o homem inventou: por que a solitária é tão dolorosa
assim? Se a penitenciária é a retirada do convívio social, a solitária é o
castigo extremo do qual prisioneiro nenhum consegue sair emocionalmente ileso. É
o castigo social dentro do castigo social, e isso diz muito sobre o tema
solidão.
Em
1959, Stanley Schachter fez um experimento: Propôs a alguns indivíduos que
ficasse em uma solitária, um de cada vez, claro. Para cada dia em que o sujeito
passasse incomunicável, ganharia dinheiro e mais dinheiro. Tudo dependia apenas
de paciência. Seis metros quadrados, sem janelas, uma porta de ferro com uma
pequena entrada para comida e água; sem jornais, livros ou internet, apenas
você, uma cama, um vaso sanitário e as paredes. Quanto mais tempo, mais
dinheiro. Parece fácil, não é? Pois bem. O primeiro participante não aguentou
ficar na cela por 20 minutos. Três aguentaram 2 dias e um único aguentou ficar
8 dias. Foi o máximo que se conseguiu, veja você! Os que ficaram por mais de 24
horas demonstraram comportamentos de ansiedade, irritação e semblante de
tristeza. Recentemente se constatou que as tentativas de suicídios ocorrem mais
entre indivíduos em celas solitárias do que entre esquizofrênicos e
depressivos. Sim, a solidão mata e produz doenças.
Entretanto,
o exemplo das solitárias pode apenas nos dizer o óbvio: estar só agride a
natureza do ser humano, que foi feito para estar em convívio social. O problema
começa agora: é possível arder em solidão, mesmo na companhia de pessoas. Não é
suficiente ir a uma festa ou estar em grupo, para não sofrer deste mal. Ao que
tudo indica é possível estar em exílio, mesmo no meio de uma grande metrópole
ou em família. Ora, isso já pede uma explicação mais demorada.
Por
que as redes sociais deram certo? Entre outros fatores, um dos mais evidentes é
que as redes sociais amplificam a sensação
de pertencimento a um grupo social. Esta necessidade em estar em contato com
outras pessoas é chamada de afiliação
e o seu oposto é conhecido por solidão:
um estado terrível em ter consciência de que os vínculos sociais foram diminuídos,
enfraquecidos ou totalmente cortados. Portanto, solidão é um sentimento de
insatisfação com os vínculos sociais, seja pela ausência, diminuição, seja pela
qualidade; enfatizando: a solidão está ligada a quantidade e a qualidade
de uma interação social. Dito de outro modo, é possível sentir solidão na
presença de muitas ou poucas pessoas ou em estado de isolamento, clausura.
Assim, a solidão não é um sofrimento só de indivíduos isolados, mas também de
indivíduos no meio da multidão, na feira, na igreja, nas redes sociais, em
festas etc. Acompanhado ou em busca de companhia é possível se sentir
profundamente sozinho, destituído de comunhão com o outro, separado por ideias,
crenças, convicções, afinidades.
Em
razão do sentimento de solidão estar acompanhado de evidente monotonia,
busca-se uma diversão que provoque estados de exaltação, em que o indivíduo se
sente inebriado pela vida, algo que, entre paredes, o abandonou já faz tempo:
falta objetivos na vida. Por isso, estar entre paredes é tão angustiante quanto
estar no meio de uma multidão. Falta o sentido da vida, nosso compromisso
íntimo. Resta o vazio, a sensação de exílio. De acordo com o biógrafo de
Beethoven, Maynard Solomon, não foi o comportamento supostamente antissocial do
compositor que o fez se isolar da sociedade: ele se recolheu pois aos olhos dos
outros somente uma aberração poderia ser músico e surdo ao mesmo tempo. Sim, a
solidão está relacionada com a nossa identidade e com a tolerância ao diferente,
daí o autoexílio. Quem não comunga da mesma fé (no sentido amplo), pode ser
severamente excluído do convívio social. Para alguns, a solução é se exilar
antes de ser expulso. Há algo tão doloroso quanto viver entre iguais e ainda
assim ser um estranho?
Percebam
há uma diferença entre querer “estar sozinho” (para pintar um quadro, cuidar de
suas coisas, arrumar o jardim, escrever um livro etc.) e a solidão. A expressão
“buscar um lugarzinho tranquilo” está longe do que se entende por solidão. Por
mais confortante que seja buscar momentos de paz, fora dos inconvenientes do
convívio, o ser humano de um modo geral não suporta falar com as paredes,
aliás, exatamente por falar com as paredes é que percebemos a falta que o outro
nos faz. Não é incomum vermos pessoas falando com animais, desde cachorros até
tartarugas (certa vez testemunhei minha mãe conversando com codornas). Também é
bastante comum chegar em casa e ligar a televisão. Em momentos de prolongada
solidão, as pessoas agora passam horas em redes sociais. Acaso não será tudo isso
um sintoma de solidão?
O
primeiro equívoco sobre a solidão é adotar o estereótipo de que tal sofrimento
é coisa de idosos ou de antissociais, eremitas. Estudos recentes mostram que,
na verdade, a solidão é uma das maiores perturbações da adolescência, com
impacto visível na vida adulta, do qual falaremos depois.
Paulo
Henrique Castro.