domingo, 12 de junho de 2011

Deus: a explicação de Espinosa.

Baruch de Espinosa nasceu em Amsterdam em 1632 e foi um dos mais importantes filósofos da história da Filosofia. Faleceu em 1677, deixando uma obra original, controvertida e provocante.
De família judia, em 27 de julho de 1656 Espinosa é excomungado pela Comunidade Judaica. Segundo Marilena Chauí, especialista na obra do holandês, o seguinte trecho consta na ata de excomunhão do filósofo:
Pela decisão dos anjos e julgamento dos santos, excomungamos, expulsamos, execramos e maldizemos Baruch de Espinosa... Maldito seja de dia e maldito seja de noite; maldito seja quando se deita e maldito seja quando se levanta. Maldito seja quando sai, maldito seja quando regressa... Ordenamos que ninguém mantenha com ele comunicação oral ou escrita, que ninguém lhe preste favor algum, que ninguém permaneça com ele sob o mesmo teto ou a menos de quatro jardas, que ninguém leia algo escrito ou transcrito por ele.”[1]
São palavras fortes. O que Espinosa poderia ter dito a ponto de provocar sentenças tão furiosas e intolerantes por parte de iguais seres humanos? É o que veremos a seguir.
Em primeiro lugar, Espinosa não era ateu. O problema não estava em ser descrente, mas no tipo de crença que o filósofo apresentava aos seus leitores. Espinosa acreditava em Deus, mas não no Deus da tradição judaico-cristã. A concepção espinosana de Deus era Panteísta. Porém, não era um Panteísmo sobrenatural: o Universo e tudo o que nele encontramos, do Sol aos mares; de um grão de areia aos animais, tudo é Deus. Seria apenas uma forma poética de falar da divina providência, com seus habituais atributos (ser bondoso, onipresente, onisciente, onipotente, pessoal, com vontade e intenções etc.)? De modo algum, senão Espinosa não teria sido excomungado. Deus é a Natureza, com todas as suas Leis inexoráveis. (Em cada passagem que ocorrer a palavra “Deus”, substitua mentalmente pela palavra “Natureza” e você terá um choque.)
Só Deus existe em si e por si é concebido[2]. Uma árvore não existe em si, já que para explicar a sua formação dependemos da existência de outras coisas (água, terra, caule, fotossíntese, clorofila, luminosidade e outros elementos). Também não podemos conceber a árvore fora dessa cadeia de coisas relacionadas entre si, pois a concepção da árvore dependerá da concepção das outras coisas. Portanto, se examinarmos os objetos ao nosso redor, somente Deus pode [a] existir em si e [b] por si ser concebido. Caso se encontre um objeto que satisfaça [a] e [b], então este objeto será aquilo que Espinosa chamou de substância. Ora, como só a noção de Deus preenche os dois requisitos, só existe uma única substância: Deus. Alguém poderia objetar: “mas posso pensar que Deus teve um início no tempo e, portanto, deriva de alguma coisa que o explicaria (o que acaba por romper com [a] e [b]).” A resposta de Espinosa seria: Deus é eterno, incausado. O passo seguinte seria perguntar para o filósofo como pode algo ser eterno? Mais ainda: se nós, um grão de areia e uma árvore não somos uma substância, o que somos então?
Assim como os homens, as montanhas, as nuvens, a água, uma árvore é um modo de Deus, ou seja, aquilo cuja existência depende da substância para ser concebido. Já que uma árvore depende de outras coisas para existir, como observamos anteriormente, ela não existe por si mesma, mas liga-se aos outros modos de Deus. Considerando esse nexo entre os modos, temos que admitir que nada pode ser livre já que está conectado à outra coisa. Porém, só Deus é livre, uma vez que existe pela necessidade interna da sua própria natureza, isto é, Deus, por ser eterno, existe por si. Neste momento, parece bastante elucidativo usar a Lei de Conservação das Massas, formulada por Antoine de Lavoisier (1743-1794), meramente para tornar compreensível o que Espinosa pensava sobre Deus e seus modos: “Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Deus sempre existiu, é infinito, suas modificações aparecem e desaparecem, mas, no final das contas, é o Cosmos que em si existe e permanece, com toda a sua dramática vastidão.
Como pode, voltando um pouco, Deus ser eterno, mas seus modos sofrerem modificações? Espinosa recorre à noção de causa imanente e causa transitiva. Uso as palavras de Marilena Chauí para explicar tais conceitos extremamente complexos do vocabulário espinosano[3]:
Na causalidade imanente, o efeito não se separa da causa, pois é apenas uma expressão dela; na causalidade transitiva, causa e efeito são duas realidades perfeitamente determinadas, isoláveis e isoladas, porque a causa se separa do efeito logo após produzi-lo.”
Assim, uma árvore é causada transitivamente, isto é, seu surgimento é um efeito das próprias Leis de Deus. Mas a Natureza, a despeito de suas modificações perturbadoras, segue por si e em si. Ao menos foi o que pensou um filósofo herético: Baruch de Espinosa.
Paulo Henrique Castro.

[1] Chauí, M. Vida e Obra in Espinosa. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1997; p. 05, Col. Os Pensadores.
[2] Cf. Espinosa. Ética. Demonstrada à maneira dos Geômetras. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1997; Col. Os Pensadores.
[3] Chauí, M. A Nervura do Real. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, nota 39.

Um comentário:

REGINA disse...

* Vc é sensacional *