domingo, 5 de junho de 2011

Notas sobre o amor (parte 2).

 
§01. Em um texto muito antigo, a Origem dos Deuses, o poeta grego Hesíodo conta que no início só tinha o Caos, um estado indeterminado e primitivo do Universo, em que nada era distinguido. Depois surgiu a Terra e o subterrâneo, o Tártaro. Antes mesmo de surgir o Firmamento, o Oceano, a Noite e o Dia, nasce o mais belo dos Deuses: o Amor que, como disse Hesíodo, “dos Deuses todos e dos homens todos ele doma no peito o espírito e a prudente vontade”.
§02. No diálogo “O Banquete”, Platão argumenta que o Amor não é um Deus, posto que os Deuses são plenos, sem nada carecer. Mas, o Amor não! O Amor é mendigo, vive às portas pedindo, suplicando, sempre pobre. Qual andarilho esfarrapado, descalço e faminto, dissemina o pólen da carência no peito dos mortais. Por outro lado, segue a análise de Platão, o Amor é decidido e enérgico, “no mesmo dia ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita”; é um caçador terrível, deixando suas vítimas encurraladas, servindo-se de engenhosas estratégias de captura; é mago e feiticeiro, recurso pelo qual pega as suas presas em soberbas armadilhas; sempre disposto, traz consigo o entusiasmo por tudo que é belo e bom. Por que a natureza do Amor oscila entre a carência e a plenitude? Platão explica narrando um dos mais belos mitos sobre o Amor: “Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre os demais se encontrava também o filho de Prudência, Recurso. Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pobreza, e ficou pela porta. Ora, Recurso, embriagado com o néctar [...], penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pobreza então, tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto concebe o Amor. Eis porque ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gerado em seu natalício, ao mesmo tempo que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou.”
§ 03. Da narrativa de Platão surge a imagem do amante que ora mendiga, ora se vê pleno, em um movimento que empobrece e enriquece, se perde e se encontra, sem a certeza de nada ter, nada possuir. Feito pêndulo, não pode se assegurar sobre o que realmente tem, muito menos ter garantias de um dia jamais perder o que supostamente tem. A incerteza que resulta desse movimento perturbador é, talvez, o que alimente a busca incessante pelo ser amado. Em um momento não quer, pois já se vê saciado com o belo e com o bom. Em outro, no entanto, rasga-se em penúria, pois é filho de Pênia, a pobreza. Ora, mas Pênia não é tão pobre em recursos assim. Sua estratégia foi extremamente bem-sucedida. Portanto, é no momento em que não temos que surgem as melhores idéias e o êxito em conseguir decorre da valorização daquilo que não se tem. Em outras palavras: só se dá valor àquilo que não temos ou que perdemos.
§ 04. A ocasião do nascimento do Amor é também uma das mais elegantes e emblemáticas dentre as alegorias de Platão: nada mais, nada menos, Afrodite é a deusa da beleza. Ser concebido no jardim de Zeus, em um banquete entre os deuses para celebrar a própria beleza encarnada? Pode haver momento melhor para se fazer amor (perdoe-me o trocadilho)? Tratando-se do Amor, sentimento eivado de beleza, francamente é uma imagem de deixar perplexo até mesmo o mais amargo dos ex-amantes.
§ 05. Próprio da natureza do amor, segundo Roland Barthes, é a espera. “Estou apaixonado? – sim, pois espero. O outro não espera nunca. Às vezes quero representar aquele que não espera; tento me ocupar em outro lugar, chegar atrasado; mas nesse jogo perco sempre: o que quer que eu faça, acabo sempre sem ter o que fazer, pontual, até mesmo adiantado. A identidade fatal do enamorado não é outra senão: sou aquele que espera.”
§05. Joana já havia verificado a sua caixa de e-mail quatro vezes, isso em duas horas após ter acordado. Colocou o seu celular no último volume e, mesmo sem desgrudar do aparelho, não tirava os olhos do visor, imaginando ter perdido uma ligação ou uma mensagem. Na noite anterior ela tinha brigado feio com o namorado e, com firmeza, tinha deixado claro que não mais o queria.
O telefone, enfim, toca. É ele. Joana deixa tocar três vezes, para não dar bandeira de quem está desesperadamente esperando. Nem mais, nem menos — vai que ele desiste e desliga. É bom não arriscar tanto, pensa. A voz do outro lado pede um encontro. Joana sede. Às 20:00, em ponto, no restaurante do Parque das Ruínas, em Santa Teresa-RJ.
18: 30. Joana já está pronta! Dá os últimos retoques na maquiagem, ouve a música deles, revê foto por foto... Liga para a melhor amiga, pede conselhos dando a entender que está prestando atenção (“sei... hum...”), sempre sem perder o relógio de vista. Mas o tempo parece ter estacionado! Que diabos! Ela não pode chegar primeiro do que ele no encontro (seria dar bandeira demais). Desce do apartamento sem correria. Espera um táxi, deixa passar o primeiro, o segundo, o terceiro e, não agüentando pega o seguinte. Avisa ao condutor que não precisa ir rápido e conta com o trânsito para chegar atrasada mas, quando Joana chega ele ainda não está lá. Joana: “aquela que espera”.
Paulo Henrique Castro. 

7 comentários:

NIlson Diogo disse...

só se dá valor àquilo que não temos ou que perdemos. Seria tão mais fácil se nós tivéssemos o dom de dar valor as coisas e pessoas sem precisar perde-las. pois as vezes perder uma chance significa realmente perder! sorte tem aquele que não se trata de um amor platônico, pois os dois lados cedem pois os dois enxergam que estão perdendo algo que devem dar valor!

Unknown disse...

Caro Nilson,
Obrigado pelo comentário. Sim. Penso como você: talvez fosse mais fácil... talvez.
Um grande abraço, PH.

REGINA disse...

* AMOR: sentimento que alimenta a mente, alma e o coração, não dá pra viver sem *

Ich Lieb Dü - pra sempre!

PS: Texto magnífico!

Shirley disse...

PH você como sempre arrasando em seus textos, este em especial...como é complicado esta questão..amor, paixão, amantes..namorados...mais como mesmo disse , este desejo incontrolável de sempre querer , e nunca se satisfazer explica-se ,mais o amor é isso , essa fome da pessoa amada, (também filho da pobreza...).rsrsr.

Josinha disse...

Querido PH, adorei...
Como sempre, vc consegue despertar em nós a vontade de continuar lendo, rezando para que o final não chegue logo!
Beijos no seu coração ^.^

Unknown disse...

Shirley! Obrigado pelo comentário! Grande beijo! PH.

Unknown disse...

Obrigado Josinha!!! Que gentileza!!! Muito obrigado pela presença! Beijos, PH.