sexta-feira, 8 de abril de 2011

Pensar o Absurdo: crítica ao Pós-modernismo.

 

O filósofo austríaco Ludwig Josef Johann Wittgenstein (1889-1951) [1] assinalou o extraordinário e numeroso uso da linguagem e ofereceu alguns exemplos: Comandar e agir segundo comandos; Descrever um objeto conforme a aparência ou conforme medidas; Produzir um objeto segundo uma descrição (desenho); Relatar um acontecimento; Conjecturar sobre o acontecimento; Expor uma hipótese e prová-la; Apresentar os resultados de um experimento por meio de tabelas e diagramas; Inventar uma história; Representar teatro; Cantar uma cantiga de roda; Resolver enigmas; Fazer uma anedota; Resolver um exemplo de cálculo aplicado; Traduzir uma língua para outra; Pedir, agradecer, maldizer, saudar, orar etc.

Considerando a multiplicidade de usos da linguagem apresentada por Wittgenstein, Irving Copi[2] classifica três funções básicas:

(1) A função informativa: “A linguagem usada para afirmar ou negar proposições, ou apresentar argumentos, diz-se que está a serviço da função informativa. Nesse contexto, usamos a palavra ‘informação’ para incluir também a má informação, isto é, tanto as proposições falsas como as verdadeiras, tanto os argumentos e raciocínios corretos como os incorretos. O discurso informativo é usado para descrever o mundo e raciocinar sobre ele.” [3]

(2) A função expressiva: “A linguagem tem função expressiva, quando é usada para dar expansão a sentimentos e emoções, ou para comunicá-los. [...] Assim, o discurso expressivo é usado tanto para expressar sentimentos do que fala como para suscitar certos sentimentos nos ouvintes.” [4]

(3) A função diretiva: “A linguagem serve a uma função diretiva, quando usada com o propósito de causar (ou impedir) uma ação manifesta. Os exemplos mais claros do discurso diretivo são as ordens e os pedidos.” [5]

Será que o uso diretivo e o uso expressivo da linguagem são adequados ao contexto filosófico ou científico? Vamos analisar um exemplo. Leia as palavras de Manoel de Barros[6]:

A última estrela que havia no céu

Deu pra desaparecer

O mundo está sem estrela na testa

Foi o vento quem embrulhou minhas palavras

Meteu no umbigo e levou pra namorada?

Eram palavras de protesto idiota!

Como o vento leva as palavras!”

Na poesia de Manuel de Barros, citada anteriormente, sabemos que as palavras não foram usadas para provar ou justificar nada. Também não foram usadas para dar uma ordem ou fazer um pedido. Um poema se presta a comunicar ou provocar sentimentos. Seria entender mal os propósitos do poeta tentando buscar em suas palavras uma prova de que o mundo tem “estrelas na testa”.

Diferentemente do poeta, o cientista (como também o filósofo), está preocupado com a busca pela verdade (por motivos óbvios, buscar a verdade não é o mesmo que encontrar a verdade). Como muito bem afirmou o filósofo alemão Gottlob Frege (1848-1925) [7]: “Ao ouvir um poema épico, por exemplo, além da euforia da linguagem, estamos interessados apenas no sentido das sentenças e nas representações e sentimentos que este sentido evoca. A questão da verdade nos faria abandonar o encanto estético por uma atitude científica.”

Se o interesse é a busca da verdade, então o uso mais adequado que fazemos da linguagem é o uso informativo, já que seria um absurdo uma discussão científica para saber se o mundo tem ou não estrelas na testa, não é mesmo? Conseqüentemente um argumento só pode ser constituído por elementos que possam ser verdadeiros ou falsos: as proposições. Se um argumento é constituído de proposições, então parece sensato começarmos pelo entendimento do que vem a ser “proposições”.

Em primeiro lugar, as proposições não são as palavras. Nós usamos palavras para enunciar as proposições. As palavras não são as coisas por elas enunciadas. Assim, de modo grosseiro, poderíamos dizer que as proposições são as idéias. Mas também é bom alertar que as proposições não são qualquer idéia. Idéias para perguntas, pedidos, ordens e exclamações, não são proposições. Considere as seguintes expressões: [i] “Que horas são?”; [ii] “Feche a porta!”; [iii] “Por favor, meu bom Deus, me ajude!”

Qual delas pode ser verdadeira ou falsa? Pense um pouco. A primeira é uma pergunta, e seria muito estranho dizer que a pergunta é falsa ou verdadeira. A segunda sentença é uma ordem e a terceira sentença é um pedido. Ora, ordens e pedidos não podem receber qualquer valor de verdade. Uma ordem pode ser chata, incômoda, exagerada, mas nunca verdadeira ou falsa.

Somente as proposições podem ser verdadeiras ou falsas, afirmadas ou negadas. Perguntas podem ser respondidas, ordens podem ser cumpridas, pedidos podem ser atendidos, mas nenhuma dessas modalidades de expressão podem ser consideradas verdadeiras ou falsas.

Agora observe as duas sentenças abaixo:

[1] João ama Inês.

[2] Inês é amada por João.

Em ambas as sentenças, podemos observar uma e somente uma proposição: sabemos que João ama Inês, mas não podemos afirmar que Inês ama João. Também podemos ver que se trata de duas sentenças diferentes, uma vez que [1] começa com a palavra “João” enquanto [2], além de começar com a palavra Inês, contêm 5 palavras e não 3 como em [1]. Portanto, “costuma-se usar a palavra ‘proposição’ para designar o significado de uma sentença ou oração declarativa”. (Copi, p. 22)

Uma sentença sempre faz parte de uma língua em particular (francês, alemão, inglês, português etc.), enquanto que uma mesma proposição pode ser enunciada por diferentes línguas. O exemplo que Copi nos oferece é muito ilustrativo:

[a] chove.

[b] it is raining.

[c] Il pleut.

[d] Es regnet.

Todas têm um único significado e, certamente, são sentenças diferentes. Outra diferença é que o contexto pode alterar o significado das sentenças. Por exemplo: a sentença “o atual Presidente dos Estados Unidos é um democrata” é verdadeira se for proferida em 1962, referindo-se a J. F. Kennedy, mas será falsa se proferida em 2007, pois o presidente daquele país naquele ano era o republicano G.W. Bush. Também o significado da sentença muda outra vez se proferida, por exemplo, em 1964. Naquele ano o presidente era o democrata L. Johnson e não Kennedy ou Bill Clinton (outro democrata). Certamente que isso não implica a tese esdrúxula de que a verdade é relativa. Permanecerá uma verdade imutável que o presidente dos Estados Unidos em 1962 era o democrata J. F. Kennedy, e não há nada de relativo nisso.

É mesmo incrível o que podemos produzir com a linguagem. Noam Chomsky, lingüista americano, inventou uma frase para demonstrar que é possível proferir uma sentença perfeitamente gramatical e, contudo, não ter sentido. Leia atentamente a sentença de Chomsky[8]: “Incolores idéias verdes dormem furiosamente.” [Coloress green ideas sleep furyosly].

Essa curiosa sentença declarativa não fere nenhuma regra sintática. Entretanto, é uma sentença absurda. A palavra ‘absurdo’ quer dizer: “que se opõe à razão e ao bom senso; que é destituído de sentido, de racionalidade.” [9] Uma idéia não sangra, não ocupa lugar no espaço, não reflete a luz, não tem cor (mesmo que tivesse cor, como entender algo que é ao mesmo tempo incolor e verde?). Uma idéia não dorme, posto que dormir é um atributo específico de determinados seres animados e não de entidades abstratas.

Para Wittigenstein, podemos falar o absurdo, uma vez que a língua nos oferece a condição para combinar palavras com significados incompatíveis (como observamos no exemplo de Chomsky). Todavia, não podemos pensar o absurdo. Palavras incompatíveis combinadas em uma sentença. Nos paralisam. O pensamento trava em uma busca impossível de associar algum significado.

Ora, mais absurdo do que uma sentença ser absurda é surgir uma área do conhecimento humano que se ocupe do conteúdo da sentença como se tais significados tivessem estatuto ontológico (em filosofia, “ontológico” é uma palavra que se refere às coisas que pertencem à realidade).

Para esclarecer o que acaba de ser dito no parágrafo anterior, suponha que duas pessoas estejam discutindo seriamente sobre a seguinte questão: como é possível que idéias verdes durmam furiosamente e não tranquilamente? Para começar, alguém argumentaria, o fator preponderante para as idéias verdes dormirem furiosamente é que na realidade elas são azuis e não verdes, como imaginavam os teóricos de outrora. Outros pensadores, achando tal assunto muito interessante (pois parece profundo), poderiam argumentar que nem todas as idéias verdes de fato dormem furiosamente. Às vezes elas dormem acordadas; por exemplo, quando ocorre o fenômeno verdinoso (o fenômeno verdinoso é a passagem trans-fenômenológica que permite às idéias verdes passarem do verde oliva ao verde musgo).

É preciso uma boa dose de imaginação para levar absurdos a sério. Mas, infelizmente, surgiu no século XX uma moda intelectual chamada de ‘pós-modernismo’, que considerou o absurdo como algo muito profundo. Essa corrente filosófica se caracteriza por rejeitar a noção de verdade, desprezar os fatos e defender um relativismo epistemológico extremo.

Em 1996[10], cansado do monte de asneiras que o pós-modernismo diz sem dizer nada, o físico Alan Sokal, professor da Universidade de New York, resolveu demonstrar o absurdo dessa corrente.

Na época, uma revista gozava de grande prestígio nas ciências sociais e Humanidades, a Social Text, e era um dos veículos de divulgação do pensamento pós-moderno. Alan Sokal, então, enviou um artigo “pós-moderno” para à apreciação da revista. O artigo, era uma caricatura, uma farsa. O objetivo de Sokal era demonstrar que qualquer amontoado de sentenças sem sentido seria considerado uma obra-prima para os pós-modernos, principalmente vinda de um físico. O que os editores da Social Text não imaginavam é que se tratava de um presente de grego.

Tudo no artigo era sem sentido, um completo absurdo, como queria seu autor. Para começar o título: “Transgredindo as Fronteiras: Em direção a uma Hermenêutica Transformativa da Gravitação Quântica.”

O artigo-piada foi publicado pela Social Text. E o pior: em uma edição especial. Logo após a publicação, Sokal revelou a farsa. O caso se tornou um escândalo: como uma revista tão importante na área de Humanas poderia ter publicado um lixo como o artigo de Sokal? Geralmente as revistas científicas são extremamente criteriosas. Nada parecido aconteceu com revistas da área de biológicas, como a Nature ou Science. Os principais veículos de comunicação do mundo, como o francês Le Monde, o americano The New York Times e o britânico Harold Tribune, noticiaram a vergonha da Social Text ao publicar um embuste.

Claro, nem todos os pensadores do século XX aderiram a moda do pós-modernismo. A filosofia analítica, por exemplo, entende que expressões sem sentido devem ser rigorosamente evitadas. Absurdos da linguagem são indicadores de péssima argumentação. Frases famosas como a do filósofo alemão Martin Heidegger, “o nada nadifica”, tem a aparência de profundidade de pensamento. Muitos se sentem intelectualizados ao repetir uma sentença com o “nada nadifica”; porém, o nada, por definição, não pode agir. Então como é possível entender o papel do verbo “nadifica”? Não podemos entender. Trata-se de um absurdo, um nonsense. Como alertou Wittgestein[11]: “o que se pode em geral dizer, pode-se dizer claramente; e sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar.”


Notas:

[1] Wittgenstein, L. Investigações Filosóficas. São Paulo: Abril Cultural, 1996 [1945].

[2] Copi, I. Introdução á Lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1978.

[3] Idem, p. 48.

[4] Idem, 49.

[5] Idem, 50.

[6] Barros, M. de. Poemas concebidos sem pecado. Rio de Janeiro: Editora Record. 1999, p.35.

[7] Frege, G. Lógica e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Cultrix/EDUSP, 1978, p. 68.

[8] Apud Pinker, S. O Instinto da Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[9] Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001.

[10] Sokal, A; Bricmont, J. Imposturas Intelectuais. O abuso da ciência pelos filósofos pós-modernos. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.

[11] Wittgenstein, L. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: EDUSP, 2001; p. 131.

Um comentário:

REGINA disse...

* Filosofando: PH, meu amor ontológico *