domingo, 3 de abril de 2011

Incoerência Humana: prólogo.

Incoerência Humana: prólogo.

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Colômbia, 8 de Maio de 2002: rebeldes de esquerda assumiram ter lançado uma bomba caseira em uma igreja, matando 117 civis, entre homens, mulheres, idosos e crianças; Irlanda do Norte, 1972: manifestantes católicos fazem protesto pacífico pelos direitos civis. Tropas britânicas abriram fogo contra os manifestantes, matando 14 pessoas (todas desarmadas), no episódio que ficou conhecido como “Domingo Sangrento”; Guatemala, 1982: soldados e paramilitares atacaram a comunidade de Rio Negro, povoado sem armas. Resultado: 107 crianças e 70 adultos foram mortos sem qualquer chance de defesa; Camboja: entre os anos de 1975 e 1979, 1,6 milhão de pessoas foram deliberadamente mortas ou impedidas de comer até morrer, decorrente do insano regime comunista do Khmer Vermelho, que pretendia organizar uma sociedade sem sentimentos, pensamentos, ideais, tradições, cidades, com exceção do que fosse “aprovado” pelo próprio Khmer; Iraque 1988: soldados iraquianos usam gás mostarda para atacar uma aldeia de curdos em Halabja, o que resultou em 5 mil pessoas mortas; Bósnia-Herzegóvina, 1992-1995: em nome da “purificação ética”, tropas sérvias raptaram e massacraram milhares de pessoas de origem multiétinica. O episódio mais emblemático, na cidade de Srebrenica, foi perpetrado por sérvios matando mais de 7 mil homens bósnios; Serra Leoa 1992-2002: grupos armados espalham o horror entre civis, raptando mulheres, cortando os membros de homens, mulheres e crianças. Em seguida, transformaram os demais habitantes em escravos e as crianças em soldados; Ruanda 1994: extremistas do governo da etnia Hutu planejaram detalhadamente o massacre de pessoas da etnia Tutsi. O requinte de crueldade incluía não só matar usando armas de fogo, mas também machados, linchamentos com porretes, queimar e enterrar vivo. Quase todas as mulheres Tutsis e meninas acima de 12 anos foram raptadas, estupradas e mortas; Argélia 1997: durante um período de apenas 4 horas, cerca de 300 pessoas (a maioria mulheres grávidas, bebês e idosos), foram mortas estripadas (tirar as tripas) e queimadas vivas [1].

Desde o fim da Guerra Fria, em 1989, 120 guerras ocorreram pelo mundo, todas apresentando atos bárbaros, covardes e cruéis (o que chamamos de atrocidades). O que perturba é que tais atos já haviam ocorrido em conflitos anteriores, como o Holocausto nazista na segunda grande guerra, a guerra da Coréia, do Vietnã, os expurgos soviéticos, a carnificina de 5 milhões de pessoas no Congo (entre 1890 e 1910) etc. Também a violência urbana, que chega a índices alarmantes, dá o tom de certa propensão humana para agredir quando lhe for conveniente. Por outro lado, as pessoas se ajudam e condenam os atos de agressão, violência e crueldade. Todos concordam que é um dever moral conter a agressão, mas continuamos agredindo. As agressões são claramente visíveis nos números sobre a violência no trânsito. Por que temos esses atos contrários e incoerentes, como ilustra a charge no início? Talvez algumas pessoas respondessem que só alguns têm comportamentos agressivos (aqueles indivíduos que pertencem ao lado do “Mal”). Mas esse argumento equivale ao que diz que só os do “Mal” mentem. Quem em sã consciência é capaz de afirmar que nunca mentiu? Talvez seja mais conveniente e confortável dividir a humanidade entre os do “Mal”, de um lado, e os do “Bem”, de outro. Então, curiosamente, quando vamos avaliar de que lado estamos, estamos sempre do lado do “Bem”. Afinal de contas, quem é do “Mal”?

A realidade nos revela uma face humana complementada por traços desumanos. Depende da circunstância. O que a maioria de nós não quer admitir é que palavras como: generosidade, egoísmo, bondade e crueldade, são rótulos para comportamentos que podem se revelar em qualquer um, segundo a circunstância. O que nos leva a passar por cima do dever com os nossos semelhantes? Devemos não agredir, mas agredimos; devemos zelar pelos idosos, mas os maltratamos; devemos dividir os bens para fazer a justiça, mas a desigualdade social no mundo é um fato inegável; devemos ser cuidadosos com as nossas crianças, mas na guerra elas são as maiores vítimas. O que nos torna humanos? Por que não conseguimos erradicar o mal? Será possível suprimir essa faceta tão própria do homem? Não será a propensão ao Mal inerente à natureza humana? Há natureza humana ou somos fruto exclusivamente do meio? Por que deveríamos conceber o Homo sapiens como uma criatura especial? Somos tão magníficos assim? Quais são as razões para colocar os humanos em um lugar separado da natureza?

Muitos setores do pensamento ocidental permanecem concebendo o homem como o centro do cosmos. A palavra ‘antropocentrismo’ é bem adequada para designar tal postura. Significa: “forma de pensamento comum a certos sistemas filosóficos e crenças religiosas que atribuem ao ser humano uma posição de centralidade em relação a todo o universo [...]” [2]

Saber quem somos é uma das mais antigas indagações filosóficas que continua a nos perseguir. Muitas explicações míticas, mágicas e religiosas foram apresentadas. Entretanto, ainda não está claro porque deveríamos nos ver como criaturas supranaturais. De fato a nossa experiência cotidiana nos revela a percepção de que nós, humanos, somos singulares. Não temos notícias de outras criaturas, quer neste, quer em outro planeta, que escrevam livros, construam máquinas, façam filmes, se emocionem com músicas, reflitam sobre a morte, se reúnam em partidos políticos etc. Sobre tudo isso, a experiência imediata é reveladora e espantosa: tais manifestações são típicas da condição humana.

Entretanto, por mais espantosas que sejam as realizações humanas, não podemos explicá-las satisfatoriamente apelando para a magia. Outrora, as explicações mágicas se mostraram totalmente equivocadas, basta refletir sobre a antiga crença geocêntrica que foi totalmente refutada pelo heliocentrismo de Nicolau Copérnico (1473-1543), Tycho Brahe (1546-1601), Johanes Kepler (1571-1670) e Galileu Galilei (1564-1642). Será que alguém ainda sustenta seriamente que a Terra é o centro do Universo? E quanto ao homem, por que deveríamos aceitar que a humanidade é o centro do Universo? Primeiro devemos nos perguntar e examinar sobre o que nos torna tão especiais assim.


[1] Smith, Dan. Atlas dos Conflitos Mundiais. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2007.

[2] Houaiss, p. 240.

3 comentários:

Anônimo disse...

Parece que essa violência toda na espécie humana vem de sempre e está no sangue...basta conseguirmos conviver com o outro, mesmo este sendo diferente de você, sem se incomodar, sem matar. Aqui em Guará colocamos um nome aos guaratinguetaenses de UMBIGÓIDES, só conseguem ver o próprio umbigo. Acho que é isso,né?
Abraço!
Tainá

Unknown disse...

Oi Tainá! Obrigado pelo comentário. Grande abraço, PH.

REGINA disse...

* Intolerância humana... *