domingo, 15 de maio de 2011

Somente palavras expurgadas ao sabor do silêncio.

 
§ 1. “A vida é uma paixão inútil”, disse certa vez Jean-Paul Sartre (1905-1980). Que sentido há em viver para morrer? A morte transforma tudo em inutilidade. Em um instante tudo o que você fez, todos os seus projetos, seus amores... tudo, tudo é destruído do mesmo modo que o mar engole, com desdém, os nossos castelos de areia.
§ 2. Como é estranho que as pessoas achem normal que os ricos e poderosos acumulem riquezas e ao mesmo tempo considerem que a luta política dos despossuídos seja algo tolo e sem sentido! Sem sentido é você trabalhar a vida inteira e ganhar uma aposentadoria de merda, que te faz mendigar nas farmácias populares; sem sentido é adoecer e ter que acordar de madrugada para ser atendido em um posto de saúde como se você tivesse pedindo um favor pro Estado e, ainda por cima, voltar para casa sem atendimento! Sem sentido é você ter que pagar escola privada para os filhos, porque a escola pública virou depósito de sucata...
§ 3. Sim. Como é estranho que alguém ache normal tanta promoção da cultura do lixo que nos entorpece os sentidos, nos fazendo crer que um dia seremos astros de cinema andando no Upper East Side, em Nova York. Sim... como é estranho este Admirável Mundo Normal. É mesmo uma pena que as palavras de Michel Foucault (1926-1984) apenas provoquem cócegas no ouvido dos surdos e riso na mente dos idiotas. Meu Deus! Não só surdos, mas cegos e mudos.
§ 4. Prefiro as palavras de Vladimir Maiakovski (1893-1930):
Na primeira noite eles aproximam-se e colhem uma Flor do nosso jardim e não dizemos nada. Na segunda noite, Já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, Já não podemos dizer nada.” É... Tem que ser muito surdo (ou cego, ou talvez débil) para não perceber o elo destas palavras com a realidade política, social, histórica e cultural em que vivemos. A cegueira chegou em um ponto que se você manifesta algum tipo de revolta contra os instrumentos de idiotização, parece que o idiota é você. Curioso demais: se indignar se tornou careta, pra-frente mesmo é ouvir o Justin Bieber.
§ 5. Fiódor Dostoiévski (1821-1881) tinha uma teoria: no mundo só há dois tipos de gente, as ordinárias e as extra-ordinárias. As ordinárias são como os porcos: passam a vida fuçando no chiqueiro como os outros porcos fazem. Tudo é normal. De fato seria estranho que um porco resolvesse deixar de comer lavagem e reivindicasse banho quente e trabalho digno. Mais bizarro ainda seria um porco, ordinário como lhe é peculir, que admirasse com afinco e reverência aqueles raros gestos em nome de uma causa que mudasse as condições do chiqueiro. Que nada! Porco que se preze apenas faz o que todos fazem: são ordinários.
§ 6. Dizem que o gosto de coisas tóxicas é sempre amargo, daí o nosso corpo ser equipado evolutivamente para evitar tal sabor. Os cientistas dizem até que é por isso que as crianças preferem doces mais do que chicória. O veneno é amargo, a saudade mais ainda.
§ 7. O filósofo italiano Antônio Gramsci (1891-1937) disse: “Odeio os indiferentes!” Que bom que ele não viveu para ver o governo do Silvio Berlusconi, bem como o efeito hipnótico da televisão aberta no Brasil. Para o telespectador-macaco-de-auditório qualquer vergonha pública não faz diferença, porque ele foi programado para olhar apenas para o seu chiqueiro. A lavagem deve ficar mais saborosa quando se é indiferente. Odeio os indiferentes.
§ 8. Quando criança eu via televisão, acreditava em Papai Noel e tinha medo do Homem do Saco. Hoje essas ilusões se foram, mas confesso que tenho uma que começa a me incomodar bastante: a ilusão de que é possível ensinar às pessoas que enquanto existir desigualdade econômica, concentração de renda nas mãos de corporações e programas de auditório, a luta revolucionária será sempre louvável, legítima e justificável. Como disse Dostoievski: “Se Deus não existe, então tudo é permitido”. Devo esperar o Paraíso aqui ou para depois?
§ 9. Termino com a poesia libertária de Carlo Alberto Salustri (o Trilussa), na esperança ingênua que alguém o escute:
O Homem e o Lobo
Um Homem disse a um Lobo:
— Se tu não fosses tão arrogante e prepotente, ganharias a vida honestamente e terias a minha proteção.
— Prefiro a liberdade a ter patrão, o Lobo retrucou; de resto, se eu fosse bom e me tornasse honesto me tratarias como a um cão.
A focinheira
— Sabe que sou fiel e afeiçoado, dizia o Cão ao Homem, e disposto a tudo, mesmo a ser sacrificado cumprindo as suas ordens. Isto posto, quero falar, agora, com franqueza: a focinheira põe-me deprimido; por que não dá-la ao Gato, que é fingido, apático e traidor por natureza?
O Homem responde:
— Mas a focinheira lembra sempre a existência de um patrão
que te protege e, de qualquer maneira, é quem te ampara e te garante o pão.
— Já que assim é, o dito por não dito! — corrige o Cão, desculpe-me a besteira. E, desde aí, com ar convicto, passou a falar bem da focinheira...

2 comentários:

REGINA disse...

Meu amor, vc é EXTRAORDINÁRIO...parabéns por ser tão inteligente!
A Poesia de Carlos Alberto Salustri é demais...
Eu te amo e adoro acompanhar semana a semana os seus textos brilhantes!
A sua sempre Rezinha

Unknown disse...

Obrigado, meu amor! Gentileza sua! Salustri é realmente espetacular. Fico feliz por vc estar me acompanhando nesta "viagem". Bjs de amor!