quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Violência: Parte 3.

Em 1970, Richard Wrangham – antropólogo da Universidade de Harvard – chegou ao Parque Nacional de Gombe, na Tanzânia, como estudante de pós-graduação, interessado em explicar aspectos sobre o ser humano a partir do enfoque da biologia evolutiva.

Os estudos sobre chimpanzés haviam entrado na agenda dos cientistas do mundo todo, não só pelos esforços pioneiros de Jane Goodall, mas também por causa da tenacidade de um pesquisador japonês da Universidade de Tókio – Toshisada Nishida – que havia iniciado observações ao sul de Gombe em 1965.

No final do texto anterior (“Violência: Parte 2.”), notamos que o grupo de chimpanzés estudados por Goodall, chamado de Kasekela, parecia estar se dividindo (isso em 1966). De fato, a dissensão estava a caminho e o resultado assustador.

Quando Wrangham chegou, de acordo com seu relato em “Machos Demoníacos” [1], já era evidente a separação da comunidade, que resultou em dois bandos: os que vinham do norte (Kasekela) e os que vinham do sul (agora denominados de “Kahama”, nome da região mais ao sul do acampamento).

A sociedade dos chimpanzés é estruturada hierarquicamente (sempre tem um macho que lidera – o “macho alfa”); portanto, é um agrupamento patriarcal, em que o comportamento dos membros do grupo está intimamente ligado aos comportamentos de um chefe macho. Dentro do bando surgem subgrupos estabelecidos por fortes vínculos entre os machos (“male-bonded”), e de forma patrilinear, isto é, os laços seguem pelo lado do pai (“patrilineal kin group”). As fêmeas não formam subgrupos e seus vínculos mais fortes são com as crias. Os machos, na maior parte do tempo, se concentram em suas facções. Essas informações são importantes para entendermos o que virá.

Pois bem. O que era harmonia tornou-se conflito. Lembremos que Jane Goodall, para observar melhor os animais, atraia-os com bananas e os identificou com nomes a fim de favorecer o monitoramento das relações entre os animais. Como era agora, após a divisão do grupo, o momento em que a provisão era distribuída?

Do seguinte modo: indivíduos de um grupo não interagiam com os do outro bando (quem era do sul, só interagia com os do sul e vice-versa – houve uma exceção que falaremos mais adiante); ficavam em espaços visivelmente separados (como se houvesse uma linha desenhada no chão, demarcando os lados), e os animais ficavam extremamente tensos – tal como sabemos os sinais que indicam o iminente ataque de um cão, é possível também saber quando um chimpanzé está em via de atacar: arrancam e arrastam pequenas árvores, batem em troncos, esgarçam os lábios e mostram os longos e afiados caninos, como se fosse uma careta; os pêlos do corpo inteiro eriçam, latem e emitem o típico som chamado pelos especialistas por “hoot” (uma longa sequência, gradativamente acelerada, de “u, u, u, u, u, u...”); andam e ficam em posição ereta; arremessam pedras, tocos e galhos.

Os pesquisadores observaram também que ambos, Kahama (do sul) e Kasekela (do norte), tinham machos alfa: no primeiro era “Charlie” e no segundo “Humphrey” (isso indicava a divisão definitiva do grupo inicial). Curiosamente apenas dois indivíduos, um de cada grupo rival, mantinham contato e até atravessavam para os lados opostos: Hugo (do norte) e Goliath (do sul). É interessante dizer que eles eram os mais velhos entre todos e brincavam juntos desde que Jane Goodall havia chegado à Tanzânia em 1960.

Intrigado com aquele “racha” no grupo principal, Richard Wrangham, com outros pesquisadores e assistentes de campo, passou a seguir ambos os grupos pela densa floresta adentro. Foram vários dias até chegar à área de cada bando, bem como para mapeá-la. Identificaram os limites e a parte central, na qual os animais permaneciam por mais tempo.

Os cientistas acompanharam o grupo Kesekela (do norte) e notaram que a cada ciclo de quatro dias uma facção (“party” – termo utilizado pelos primatologistas para designar os subgrupos temporários), de cerca de meia-dúzia de chimpanzés machos (em alguns episódios com a presença de uma ou duas fêmeas) se deslocavam vigorosamente ao longo dos limites do espaço territorial (“range”). Caminhavam em silêncio, mas são animais tipicamente muito barulhentos; paravam de vez em quando e alguns ficavam em posição bípede, virando a cabeça na direção do menor ruído (principalmente quando o macho alfa, Humphrey, fazia). Sempre na borda do território. Estariam fazendo patrulha? Era forma de demarcação do território? Um fato, porém, bem cedo revelou aos cientistas que não se tratava de uma demarcação de território, como cães que urinam nos postes. Se tratava de algo mais elaborado.

[Continua]

Paulo Henrique Castro.


[1] Wrangham, R. & Peterson, D. Demonic Males. Apes and the origins of Human Violence. New York: Houghton Miffilin Company. 1996

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