segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Violência: Parte 5.

Por que atacar membros da mesma espécie? Como animais que possuem uma capacidade de memória talvez maior do que a do homem, podem atacar brutalmente os membros de sua própria comunidade, que outrora brincavam juntos, comiam juntos e dormiam juntos? Mas não se deixe enganar: estávamos em 1974 e a comunidade de chimpanzés encontrada por Jane Goodall em Gombe, no ano de 1960, já não era coesa. A divisão estava estabelecida e era extremamente rígida, o que significa dizer que um membro de certo bando não tolera quem é de outro – mas como um negócio desses pode acontecer com animais? Seria defesa de território?

Como nota Richard Wrangham, a defesa de território é algo muito comum entre diversas espécies, “[...] mas os chimpanzés de Kesekela estavam fazendo mais do que defendendo. Eles não esperavam ser alertados pela presença de intrusos.” [1]

Nestas incursões, diz o cientista de Harvard, a patrulha se movia diretamente para atravessar os limites entre os territórios, percorrendo quase dois quilômetros adentro na área do grupo vizinho e, muito interessante, não se alimentavam nestas incursões. Sempre que encontravam um membro sozinho daquele território estranho, o atacavam com requinte de crueldade – como vimos no texto anterior e veremos novamente, logo abaixo. Segundo Wrangham:

Assim, eles pareciam estar procurando encontros no espaço territorial vizinho. Essas expedições eram diferentes de mera defesa, ou mesmo patrulhas de fronteiras. Eram raides.” [2]

Antes de prosseguir, cabe um esclarecimento: muitos primatologistas usam o termo “raide” (“raid”). “Raide” é um termo de uso militar e significa: “ataque de surpresa por grupo militar móvel (p. ex. comandos, blindados, submarinos etc.) em território inimigo, visando a danificá-lo ou destruí-lo, capturar prisioneiros etc.” [3]

Para os primatologistas os ataques são intencionais e com fins específicos: destruir o inimigo no território dele. Os chimpanzés não ficam “passeando” pela floresta e, de súbito, começam um a morder o outro feito cachorro, porque um pisou no território do vizinho ou não respeitou o poste demarcado. O comportamento destes animais não é algo como um robô cego. E é isso que é mais intrigante, pois, sendo animal, esperaríamos comportamentos bem toscos. A seguir, leia atentamente sobre outro caso e pense nas raides:

Após o ataque que vitimou Godi, outro medonho incidente aconteceu: em uma incursão pelo território vizinho (Kahama), três machos adultos e uma fêmea, também adulta, do bando Kasekela, fizeram mais uma vítima. Identificado pelos cientistas como “Dé”, o animal foi violentamente agredido pelos quatro invasores. Dé não estava sozinho, mas seus companheiros eram uma fêmea bem jovem, um macho adolescente e um único macho adulto, todos agitadíssimos e constantemente ameaçados pelo bando de Kasekela. Os companheiros de Dé apenas observaram.

No momento em que Dé foi avistado pelos algozes, já não havia tempo para fuga ou outra reação. Subitamente os agressores alteraram o ritmo, se deslocando com frenética velocidade través da densa floresta, tipicamente com os sinais de ataque, latindo, mostrando os longos e afiados caninos, pêlos eriçados, arrancado galhos pela frente, emitindo o “hoot” (u, u, u, u, u, u,...) e Dé foi cercado.

Gigi, a única fêmea do grupo invasor (Kasekela) gritou ameaçadoramente. Os três machos se aproximaram de Dé, cuja sorte estava lançada. O relato do que aconteceu em seguida é impressionante:

Cercado, Dé parou de se agitar, sentou e se encolheu todo, apenas emitindo guinchos. Pode ter sido uma boa defesa inicial, pois é comum que os chimpanzés comecem arrancando os dedos das mãos e dos pés do adversário – as unhas dos chimpanzés são longas, mais rígidas do que as dos homens e extremamente afiadas. Tanto as mãos, quanto os pés desses primatas, são usados com a mesma destreza, ao contrário do homem (é como se o chimpanzé, ao arrancar os dedos do inimigo, estivesse desarmando-o).

Depois de algumas pancadas, Dé tentou escapar escalando uma árvore e pulando para outra, onde foi surpreendentemente cercado de novo. Fugiu para as partes mais altas da árvore, com os agressores nos seus calcanhares; bem na extremidade lateral se refugiou em um galho, cuja espessura não suportou o peso do animal, que foi lançado em queda livre.

No chão e sem esboçar reações bruscas, Dé foi atacado mais uma vez: um dos machos de Kesekela agarrou o moribundo pela perna, o arrastou e o lançou abaixo, por uma ribanceira. As coisas não pararam por aí, de modo algum. Os agressores machos foram atrás e continuaram a bater em Dé. Não demorou muito e Gigi juntou-se aos machos na sessão de espancamentos, socando com o pés e com as mãos em todas as partes, inclusive nas já visíveis feridas, do já combalido Dé. Para finalizar, a vítima foi arrastada novamente, recebendo várias mordidas, em que nacos de carne eram cuspidos, enquanto a pele das pernas era arrancada pelas unhas-navalhas dos que lhe seguravam os membros inferiores.

O ataque todo durou 20 longos minutos de sofrimento, de acordo com Wrangham. Depois que os agressores se saciaram e foram embora, sem a excitação inicial, menos agitados e sem tensão, Dé continuava vivo, porém com feridas espantosas e gemendo, feito um cão, quando é mal-tratado pelo dono. Dois meses depois, Dé foi visto pelos pesquisadores: estava mutilado e ainda gravemente ferido. Após isso, nunca mais foi visto.

[Continua]

Paulo Henrique Castro


[1] Wrangham, R. & Peterson, D. Demonic Males. Apes and the origins of Human Violence. New York: Houghton Miffilin Company. 1996, p. 14.

[2] Idem.

[3] Dicionário Houaiss da língua Portuguesa. Rio de Janeiro: editora Objetiva, 2001; p. 2378.

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