sábado, 25 de fevereiro de 2012

Violência: Parte 8.

Magro de dar pena, ele caminhava sem pressa pela estrada de chão batido durante horas. Naquela madrugada de 7 de junho de 1998, o desempregado James Byrd, 49 anos, negro, só queria chegar em casa, em Jasper, Texas, após um longo dia procurando emprego.

Os faróis anunciam a chegada de um veículo, com três homens que, em um daqueles momentos de solicitude beata, param a caminhonete e oferecem carona para James Byrd. Acontece que os integrantes da caminhonete, John William King (branco 39 anos), Lawrence Russel Brewer (branco, 44 anos) e Shawn Allen Berry (branco, 42 anos), nada tinham de benevolentes.

16 km antes de chegar em Jasper, os três homens pararam o veículo, desceram da cabine e puxaram Byrd da carroceria. O espancaram brutalmente. Se já não fosse crudelíssima, a ação medonha continuou: Acorrentaram Byrd pelas pernas no para-choque da caminhonete e saíram em alta velocidade, percorrendo um trajeto de 5 km, o que acarretou o desmembramento do corpo de Byrd. Ainda com o carro em movimento, a cabeça do infeliz bateu em um poste sendo, assim, arrancada em uma cena atroz. Posteriormente a polícia encontrou pedaços do corpo de Byrd em 75 lugares diferentes, inclusive os que foram propositalmente jogados na frente de uma igreja de negros. Anos depois, o caso real de James Byrd virou filme, aliás, com um nome bem apropriado: “A Face do Mal”.

Para quem pensa que este é um caso isolado saiba do seguinte:

Entre 31 de agosto e 08 de setembro de 2001, a Assembleia Geral das Nações Unidas realizou a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Conexa, em Durbam, África do Sul (país que sofreu o inqualificável Apartheid — evento que por si só já demonstraria que casos como o de Byrd não são exceção entre humanos). Lá se reuniram 170 representantes de diversos países, inclusive 16 chefes de Estado, e mais de 1.300 jornalistas; em um total de 18.810 pessoas para debater sobre um grave fato: pessoas agridem, mutilam e matam pessoas que não pertencem ao mesmo grupo racial, social etc.

Na verdade o tema não é novo e desde a fundação da ONU vem sendo bastante discutido. Antes de Durban ocorreram duas Conferências em Genebra, só sobre tal questão, culminando com a proclamação do ano de 2001 como “Ano Internacional de Mobilização Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Conexa”. Ora, por que mais uma conferência sobre “crimes de ódio”? O documento responde o óbvio:

Apesar do facto de a proibição do racismo e da discriminação racial estar profundamente enraizada no ordenamento jurídico internacional em matéria de direitos humanos e dos progressos realizados nesse domínio desde a cria­ção da Organização das Nações Unidas, não há dúvida de que os objectivos das três Décadas de combate ao racismo continuam por atingir, que milhões de seres humanos continuam até aos dias de hoje a ser vítimas de tal flagelo e que, com o surgimento de novas tecnologias e o advento da globalização, novos desafios se colocam neste domínio, exigindo medidas inovadoras e esforços concertados a nível nacional, regional e internacional.[1]

Embora os fatores sociais sejam preponderantes, como admitem diversos cientistas da área de biológicas, não é tão fácil argumentar contra a ideia de que há algo na natureza humana que contribui para a repetição destes comportamentos animais. Ao contrário dos apelos da Antropologia Cultural, a Primatologia insiste na ideia de que as raízes da violência estão no processo evolutivo e que estudar o primata mais próximo do homem, o chimpanzé, nos ajuda a entender esse “flagelo”. Pensando nos dados coletados pela ciência que estuda esses animais, um dos mais importantes cientistas da área — Frans De Waal — chegou mesmo a declarar: “Inquestionavelmente, os chimpanzés são xenofóbicos[2]

Para quem está acompanhando a série de textos sobre violência, aqui apresentados, baseados na obra “Demonic Males”, não há muita dúvida sobre a afirmação de Frans De Waal.

Após estas linhas de uma provocação inquietante, retornarei no próximo texto para os padrões de agressão letal intergrupo, que foram observados entre chimpanzés ao longo da África Central, seguindo a narrativa de Peterson e Wrangham[3]. Por ora, reflita se de fato é o meio social o único fator que provoca o comportamento violento entre humanos. E lembre-se: admitir a influência biológica não implica se comprometer com a tese de que a violência é um comportamento determinado e, por isso mesmo, inescapável.

[Continua]

Paulo Henrique Castro.


[1] Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Conexa. ONU, 2001; p. 11. Disponível na internet.

[2] Waal, Frans De. Eu, Primata: por que somos como somos. São Paulo: Companhia das Letras. 2007, p. 168.

[3] Wrangham, R. & Peterson, D. Demonic Males. Apes and the origins of Human Violence. New York: Houghton Miffilin Company. 1996.

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