sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Violência: parte 4.

No texto anterior, observamos que os chimpanzés se deslocavam do centro de sua área, em um ciclo de quatro dias, e percorriam as fronteiras de seu território. Em silêncio, paravam, ouviam e pareciam checar algo. Não faziam os deslocamentos de forma desorganizada: o macho alfa ia à frente, andavam em fila indiana e com movimentos mais lentos do que o costume. Quando o bando escutava os grunhidos da comunidade vizinha, emitiam guinchos roucos, feito rosnado, cujo efeito era outras vozes entre os dentes, igualmente roucas, vindo da vizinhança.

Certa feita, os cientistas observaram um bando destes primatas de Kasekela fazendo patrulha pelos limites do território deles. Súbito, deram conta de que outro grupo vizinho de chimpanzés estava por perto, porém com menor número de indivíduos. O grupo maior se lançou em uma perseguição por meio quilômetro atrás do menor. Visivelmente excitados, a caça continuou pelo território dos perseguidos e o resultado de casos como esse nos descreveremos detalhadamente, mais abaixo.

Vários episódios de perseguição foram registrados pelos pesquisadores. Em alguns registros havia captura e morte. Em outros, os grupos de chimpanzés se encontravam em densos locais da floresta, o que dificultava a avaliação do número de integrantes do bando rival, por parte dos próprios animais. Nas palavras de Wrangham: “a patrulha cometia erros”. Nestas situações, o bando invasor imediatamente voltava correndo, de modo desordenado, para o centro do seu território (em retirada em fuga). Os cientistas tentavam entender o porquê daquelas incursões em terras vizinhas, e mesmo as razões dos deslocamentos cíclicos dos animais pelas bordas. Por que tanta inquietação? Qual seria a razão das rondas sistemáticas? Seria mesmo uma patrulha? As perguntas foram se avolumando, até que o improvável aconteceu.

Sete de janeiro de 1974. Os Pesquisadores observam e acompanham a movimentação de um bando de oito chimpanzés do grupo Kasekela. Eram sete machos (seis adultos e um adolescente) e uma única fêmea sem filhotes, chamada pelos cientistas de Gigi.

À medida que os oito chimpanzés percorriam a fronteira da sua região, ouviram as vocalizações da comunidade vizinha de chimpanzés (Kahama, os do sul). Curiosamente, o bando que ouviu os grunhidos não emitiu nenhum som em resposta. Ficaram em silêncio; aumentaram o ritmo da caminhada, vasculharam os limites da sua área e foram além, avançando sobre o território do bando vizinho de modo muito abrupto.

Enquanto isso, no território da comunidade barulhenta, havia um macho adulto, Godi, pacificamente comendo em uma árvore. Um pouco distante havia seis outros machos pertencente ao mesmo grupo de Godi, que fizeram aquelas vocalizações que o outro bando tinha ouvido. Frequentemente Godi andava com a sua turma, mas, por algum motivo, naquele dia ele estava sozinho (um erro que iria custar a sua vida).

Quando Godi se deparou com o grupo rival dos oito chimpanzés intrusos ele ainda estava em sua árvore. Pulou e correu, mas foi cercado pelos invasores.

Humphrey foi o primeiro a atacar Godi, agarrando-o pela perna. Desequilibrado, Godi caiu de frente, com a face voltada para a lama, e Humphrey pulou sobre ele, imobilizando-o com seus 50 kg e segurando com as mãos os membros superiores da vítima, ao mesmo tempo em que mantinha a perna de Godi presa (os chimpanzés usam os quatro membros com a mesma habilidade, ao contrário do ser humano).

Durante a vigorosa imobilização imposta por Humphrey, os outros intrusos atacaram Godi. Hugo, o mais velho, usando os dentes, arrancou pedaços da carne de Godi. Outro macho deu golpes na altura da escápula e recuou (é necessário lembrar que um chimpanzé adulto é cinco vezes mais forte do que o homem). O adolescente apenas assistiu e Gigi gritava e circulava em torno do ataque, que continuou com mordidas e pancadas.

Após dez minutos, Humphrey soltou a perna de Godi e os outros pararam de bater. Enquanto o animal ferido tirava a sua face da lama, uma enorme pedra foi lançada sobre ele. Haviam feridas impressionantes por todo o corpo de Godi, jorrando sangue. “Ele nunca mais foi visto de novo. Pode ter sobrevivido por alguns dias, talvez uma semana ou duas. Mas ele certamente morreu.” [1]

O grupo de chimpanzés que invadiu o território dos vizinhos, depois do ataque, retornou para os limites da sua área original, dessa vez menos excitados.

Por que Humphrey e sua turma atacaram? Não foi para defender o seu território, considerando que o ataque foi no espaço do grupo vizinho; também não foi por alimento, pois os animais atacaram e foram embora sem se servir de nada para comer; não foi por defesa, dado que eles estavam distantes do território vizinho e não foram atacados; então por quê? E por que usaram de tanta violência (lembre-se do episódio da pedrada, quando Godi já estava jorrando sangue por diversas feridas)? Teria sido um caso isolado? O que era tudo aquilo?

[Continua]

Paulo Henrique Castro.


[1] Wrangham, R. & Peterson, D. Demonic Males. Apes and the origins of Human Violence. New York: Houghton Miffilin Company. 1996, p.6.

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